segunda-feira, 24 de agosto de 2009

ORAÇÃO A MIM MESMA

Que eu me permita olhar, e escutar, e sonhar mais,
falar menos, chorar menos.
Ver nos olhos de quem me vê, a admiração que eles me têm e não a inveja que prepotentemente me têm.
Escutar com meus ouvidos atentos e minha boca estática as palavras que se fazem gestos, e os gestos que fazem palavras.
Permitir sempre escutar aquilo que eu não tenho me permitido escutar.
Saber realizar os sonhos que nascem em mim e por mim, e por mim morrem, por eu não saber sonhos;
então, que eu possa viver os sonhos possíveis e os impossíveis, aqueles que morrem e ressuscitam;
a cada novo fruto,

a cada novo amor,
a cada novo calor,
a cada nova geada,
a cada novo dia.
Que eu possa sonhar o ar,

sonhar o mar,
sonhar o amor,
sonhar a alma gamar.
Que eu me permita o silêncio das formas, dos movimentos, do impossível, da imensidão de toda a profundeza.
Que eu saiba substituir minhas palavras pelo toque, pelo sentir, pelo compreender, pelo segredo das coisas mais raras.
Pela oração mental (aquela que a alma cria, e que só ela, alma, ouve, e que só ela, alma, responde).
Que eu sabia dimensionar o calor,

de experimentar a forma,
vislumbrar as curvas,
desenhar as retas, e aprender o sabor da exuberância que se mostra nas pequenas manifestações da vida.
Que eu sabia reproduzir na alma a imagem que entra pelos meus olhos, fazendo-me parte da suprema da natureza, criando-me e recriando-me a cada instante.
Que eu possa chorar menos de tristeza, e mais de contentamento.
Que meu choro não seja em vão,

que em vão não sejam minhas dúvidas.
Que eu sabia perder meus caminhos, mas saiba recuperar meus destinos com dignidade.
Que eu não tenha medo de nada, principalmente de mim mesmo.
- Que eu não tenha medo dos meus medos!
Que eu adormeça toda vez que for derramar lágrimas inúteis, e desperte com o coração cheio de esperanças.
Que eu me faça de mim mesmo um homem sereno dentro de minha própria turbulência, sábio dentro de meus limites pequenos, e inexatos;
humilde diante de minhas grandezas tolas e ingênuas (que eu me mostre o quanto são pequenas as minhas grandezas, e o quanto é valiosa a minha pequenez).
Que eu me permita ser mãe,
ser pai e, se for preciso, ser órfão.
Que me permita ensinar o pouco que sei, e aprender o muito que não sei;
traduzir o que os mestres ensinaram, e compreender a alegria com que os simples traduzem suas experiências.
Respeitar incondicionalmente o ser, o ser por si só, por mais que nada possa ter além de sua essência.
Auxiliar a solidão de quem chegou, render-me ao motivo de quem partiu e, aceitar a saudade de quem ficou.
Que eu possa amar e ser amado; que eu possa amar, mesmo sem ser amado.
Fazer gentilezas quando recebo carinhos, fazer carinhos, mesmo quando não recebo gentilezas.
Que eu jamais fique só, mesmo quando eu queira ficar só.
AMÉM

Reprodução texto de Oswaldo Antônio Begiato

Foto: Gregory Colbert

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